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12 de agosto de 2004

QUATRO LIVROS PARA FÉRIAS #2: YOU CAN GO HOME AGAIN

Termino "O Cemitério dos Barcos sem Nome", de Arturo Pérez-Reverte. O que aqui se encontra é, pura e simplesmente, uma carta de amor às séries B de aventuras, aos filmes negros, às mulheres fatais — e que espantosa mulher fatal ele criou em Tánger Soto, a historiadora obcecada por um naufrágio misterioso, e que fantástico herói de romance negro em Manuel Coy, o marinheiro sem barco seduzido pela historiadora mais do que pela sua história. No fundo, o marinheiro sonhador que busca uma ilusão e a mulher fatal que parece fria e intocável têm afinal muito em comum, ambos procuram recuperar um qualquer paraíso perdido nas páginas de um livro que leram em crianças. Esta é, afinal, uma aventura proustiana, buscando algo que já não existe e talvez nunca tenha existido.

É um grande romance romântico, onde se persegue de modo a um tempo clássico e moderno, sábio e ingénuo, uma inocência narrativa já há muito perdida; onde se recuperam fórmulas que a contemporaneidade literária e narrativa tornou fora de moda. Pérez-Reverte reivindica estar fora de moda, quer recuperar o charme pioneiro das narrativas iniciáticas do romance de aventuras; mas fá-lo introduzindo sinais (igualmente fora de moda) do desencanto e da lucidez magoada do noir. Este "Cemitério" é um romance de aventuras consciente do seu estatuto singular, fora de tempo, e não hesita em transformar essa singularidade num ponto a seu favor; essa consciência de ser uma criança tardia, desajustada no mundo que o rodeia, em vez de sublinhar a sua diferença vem apenas colocá-lo na linhagem dos grandes romances sobre o mar, ergue-o a digno e nobre herdeiro de um Conrad.

À imagem do seu herói, "O Cemitério dos Barcos sem Nome" é um romance que quer acreditar ainda ser possível um regresso a um romantismo pré-aldeia global; essa crença dá-lhe cartas de nobreza e alforria dignas dos grandes. E toda a ironia está em que, precisamente por ser impossível, Arturo Pérez-Reverte consegue-o. Não lia nenhum romance que mexesse tanto comigo há anos. A sério. You can go home again, after all.

com um agradecimento ao Elvis — e, não sei porquê, Alexandre, acho que ias gostar de o ler; e tu também, 1poucomais, embora por outras razões

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