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29 de agosto de 2004

AI PORTUGAL, PORTUGAL

Esta questão dos irritantes é importante porque Portugal, como um todo, irrita-me.

Irrita-me por ser um país onde o governo arranja desculpas mal amanhadas para impedir a entrada do Barco do Aborto (e Isabel Meireles dizia, hoje — aliás ontem sábado — de manhã, na TSF, que era uma decisão que abria uma caixinha de Pandora em termos de legislação europeia, muito embora a reportagem da RTP-1 no Telejornal deixasse o comentário da especialista em assuntos europeus meio ambíguo). Irrita-me por ser um país onde o PCP põe a figura caricatural de Odete Santos a comentar o assunto — respeito a senhora, mas acho difícil levar a sério uma deputada que é actriz nas horas vagas. Irrita-me por ser um país onde há assessores de ministros a ganharem num mês o que outros ganham em quatro por não fazerem realmente nada de importante, e onde senhoras idosas pagam 30 euros de renda por um quinto andar sem elevador e, por só pagarem 30 euros, não pensam sequer em exigir que o senhorio faça as obras que lhe garantiriam uma qualidade mínima de vida. Irrita-me por ser um país onde se fala muito e se resmunga ainda mais mas, depois, se prefere devorar os jornais que publicam com grandes parangonas os esgotamentos do Zé Maria e o casamento da Fernanda Serrano com o Pedro Miguel Ramos, ou erguer a herói Francis Obikwelu, ou devotar espaço de informação às últimas vicissitudes futebolísticas. E, no interim, Portugal parece escorregar alegremente para um retorno a uma sociedade do antigamente onde a divisão não é em classes altas, médias e baixas mas apenas altas e baixas — porque as médias estão cada vez mais baixas e as altas cada vez mais altas.

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