domingo, 16h30, na rua da Escola Politécnica
Uma jovem de corpo escultural passa por mim, vestida com uma camisola de alças super-justa, pelo menos três números abaixo do seu número de soutien (que não veste), com os três botõezinhos do decote abertos. A camisola, branca, tem "Portugal" escrito à frente, quase ilegível. Mais à frente, grupos de jovens com bandeiras, cachecóis, camisolas da selecção passam bebendo cerveja de garrafas de litro. Até uma senhora que vem do supermercado com os sacos de plástico cheios de compras na mão vem com uma camisola verde, um boné da selecção e uma bandeira a fazer de xaile. Todos os carros que passam trazem bandeiras desfraldadas, buzinam como se já fôssemos campeões.
domingo, 21h40, final do jogo, à varanda de minha casa
O silêncio é ensurdecedor. Depois das exclamações triunfalistas que acompanharam todos os outros jogos, depois dos vizinhos que cantaram o hino e fizeram cânticos durante a primeira metade do jogo, não se ouve nada. Nem uma buzina, nem um cântico. Apenas silêncio, como se a cidade estivesse deserta. Abandonada. Como se o tempo tivesse parado e nada mais importasse.
segunda-feira, 10h00, balneário do ginásio
Os velhotes que saem ou entram da ginástica matinal praticam o seu melhor linguajar de treinadores de bancada, por entre a meia-dúzia de muletas de linguagem, ditados populares que evitam terem de dizer alguma coisa realmente importante. Sinto a velha atitude de "velhos do Restelo" para quem se estava mesmo a ver que isto ia tudo acabar em desilusão, que já me parecia transparecer da reportagem do Diário de Notícias desta manhã.
segunda-feira, 11h30, pelas ruas de Lisboa
Muitas casas ainda têm bandeiras nas janelas, nas varandas, mas vê-se que houve quem já as começasse a tirar. A quantidade de carros com bandeiras é significativamente menor. Numa atitude que me parece bonita, um vizinho meu que não teve bandeira durante todo o campeonato pôs agora uma, enorme, que lhe ocupa quase a varanda toda.
Muitas das pessoas com quem falo durante o dia, mesmo que digam não se sentirem afectados pela derrota na final, não conseguem afastar um certo desencanto, um certo fado lusitano de quem acha que é bonito mas, se calhar, pouco pragmático acreditar nos sonhos. Gostava de acreditar que toda a auto-estima que se construiu durante este mês não é um mero balão que esvazia à primeira contrariedade. Gostava de acreditar que estas bandeiras e esta fé e esta crença e o termos chegado à final e o termos organizado um campeonato mediaticamente exemplar, por muito irrelevante que sejam para a realidade política, social, económica, tenham mostrado aos portugueses que vale a pena acreditar nas coisas e dar passos (mesmo que pequenos) para mudar, para fazer mais alguma coisa por este nosso cantinho, para irmos mais longe. Gostava de não ser "velho do Restelo" e de acreditar que as coisas, daqui para a frente, poderão ser diferentes. Mas isso não o podemos saber agora. De qualquer maneira, a citação em baixo (retirada da edição da semana passada da revista Time e de um texto que nada tinha a ver com futebol) parece-me apropriada, mesmo que longa.
(...) for most of us, mountaineering brings a peculiarly displaced pleasure: you suffer, mightily at times, in order to reach the summit or the refuge or the top of a slope; it is then, sweetened by the effort, that the payoff comes. Most of humanity would not subject itself to this: why strain and risk falling or frostbite when you can take a chairlift and get the same stunning views? But the views aren't the same, and the pleasure of having gotten there on your own steam is genuine — eventually.
(...) And so we made it (...) It was a moment of marvel rather than reflection, but wasn't being here at the summit the point of all this? Years ago a hiking partner had venomously called me "destination oriented" — definitely not cool in a world where the enlightened supposedly know that der Weg ist das Ziel (the way is the goal). Okay, I plead guilty. Call me a peak-bagger, a misguided apostle of achievement, whatever — I'd done what I set out to do. Later (...) I realized there was more to it than that. I'd gone to my limit, and now it's higher than it was before. There's nothing like a mountain to make that happen.
(James Graff, "Beating the Morning Rush" in Time Europe, vol. 164 nº 1, 5 de Julho de 2004)
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