Tudo está bem quando acaba bem: os meus pais estão de regresso a casa, o meu pai "condenado" a usar uma algália até quinta-feira, não por necessidade real mas mais para protecção da costura feita aquando da retirada das pedras, a minha mãe "aliviada" agora que regressou ao seu mundinho privado.
Não foi fácil: cansado de estar fechado num quarto de hospital com apenas quatro canais terrestres sem programação que lhe agradasse, saudoso dos cinquenta canais da TV Cabo (dos quais, de qualquer maneira, ele só vê quase sempre os mesmos três ou quatro — o Eurosport se estiver a der ténis ou bilhar, os filmes do Hollywood, as séries da SIC Gold ou da SIC Radical), o meu pai decidiu tomar à letra a indicação do médico de que poderia ter alta a partir das oito da manhã e lançou, ontem à noite, o ultimato: ou vocês me vêm buscar às oito em ponto ou eu apanho um táxi para casa. Pânico nas hostes, comparável apenas à desorientação das autoridades face à invasão de campo do Alvalade XXI ontem à noite; lá temos a manhã de segunda-feira lixada (e todos nós sabemos como é importante começar uma segunda-feira de modo correcto). Isto do levantar cedo tem muito que se lhe diga (sim, eu sei que estou mal habituado).
Esquecidas ficaram as angústias dos dias anteriores, quando, ao olhar para o desamparo dos meus pais sozinhos um sem o outro, encontrei a resposta à pergunta "porque é que procuramos alguém para partilhar a nossa vida, por muito restrita que ela seja"; quando, ao olhar para os achaques dos meus pais isoladamente, percebi porque é que alguns de nós fazem tudo para evitar a dor; quando, ao olhar para o meu pai sozinho e triste num quarto de hospital, me perguntei se é assim, inescapavelmente, que todos nós nos compenetramos definitivamente da nossa própria mortalidade. (A esse propósito: lembrem-me, mais tarde — não agora — de vos falar da minha hipocondria e daquela vez que passei uma noite no hospital por ter ido de encontro a um sinal de trânsito.)
Agora, só quero mesmo é ter uma boa noite de sono a sério, que, de qualquer maneira, nunca irá compensar as seis noites que dormi no sofá da sala e me deixaram o pescoço a doer e o sono descompensado. Amanhã, começo a limpar a casa para transformar em quarto de visitas a sala de arrumações, ao pé dos vinis que esperam um novo móvel no escritório e do equipamento de mergulho que não tem outro sítio para secar sem incomodar a passagem.
Sem comentários:
Enviar um comentário