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15 de março de 2004

LITHIUM

Faz, agora, dois anos e meio, passei um mês a ansiolíticos. Na ressaca do 11 de Setembro, atirado sem eu saber bem como para o meio de um turbilhão de evoluções políticas que me ultrapassavam e onde eu tinha forçosamente de tomar uma posição política (e quem me conhece sabe como me é difícil fazer jogos políticos) no jornal onde ainda hoje escrevo, procurando estar de bem com Deus e com o Diabo (é uma metáfora onde não deve ser lido nenhum subtexto), dei por mim com dores que mimetizavam maleitas piores, com dificuldade em dormir.

Sou, por natureza, ansioso, reflexo de uma existência que durante grande parte da minha adolescência foi por demais protegida dos fluxos do mundo real. Nesse mês de Outubro de 2001, comecei a visitar aquele que ainda hoje é meu médico de família, que me pediu para fazer os proverbiais exames. Mostrados os exames, diagnosticou-me ansiedade e receitou-me ansiolíticos.

Ao segundo-terceiro dia senti-me pior do que quando comecei a tomá-los e foi aí que a habituação entrou. Durante um mês tomei religiosamente a dose mais baixa que a medicação permitia (meio comprimido de Pazolam antes de dormir). Nos primeiros dias senti-me aliviado, até reconfortado: afinal era possível alhear-me do mundo. Mas esse distanciamento artificial começou a preocupar-me e a confundir-me, criou-me um outro jogo de ansiedades - como se estivesse deliberadamente a adiar as decisões que tinha de tomar. E isso é algo que eu já sou perfeitamente capaz de fazer sem precisar de estimulantes externos.

Parei, sozinho, de tomar os ansiolíticos. Cold turkey. Ao segundo-terceiro dia senti-me pior do que quando parei de os tomar e foi aí que a desabituação entrou. Continuei a sentir-me ansioso, mas procurei começar a controlar essa ansiedade de outra forma. Em casos mais complicados uso o Valdispert que o cardiologista do meu pai me receitou, como relaxante ligeiro sem efeitos. Mas nunca mais toquei na embalagem de Pazolam. Está ali na gaveta dos remédios, como recordação do momento em que cedi ao paraíso artificial, para garantir que nunca mais tenho o desejo de lá voltar.

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