A última edição da Economist dedica algumas páginas a uma análise da má situação do ensino universitário em Inglaterra, onde Tony Blair vai propôr uma alteração aos estatutos das universidades que implicará um aumento no valor das propinas. Há algumas semanas, a Time dedicava a história de capa aos cientistas e investigadores europeus que prosseguiram as suas carreiras académicas nos Estados Unidos, aproveitando o maior reconhecimento, as maiores oportunidades e os maiores incentivos financeiros à investigação académica.
No limite, o que ambas as peças davam a entender é a necessidade de reformar o conceito de ensino universitário público, aproximando-o do modelo americano de "oferta-e-procura", em que as universidades são livres de cobrar as propinas que entenderem, mas que cultiva um grau de exigência do aluno completamente diferente do modelo inglês/europeu em grande parte subvencionado e regulado pelo estado. É quase uma relação fornecedor/cliente, prestador de serviços/consumidor: quem paga exige um serviço condigno com o valor que pagou.
Evidentemente, em Inglaterra a questão não está a ser nada pacífica. Faço a ligação com as crises das propinas que têm levado os estudantes à rua nos últimos anos, e recordo-me da minha própria experiência académica (já com quase vinte anos, é certo, mas ainda assim). Fiz Letras na Clássica em Lisboa, não porque quisesse ser professor ou seguir carreira académica, mas porque era realmente a única coisa que alguma vez pensei seguir, a única para a qual sentia vocação. Estive na universidade por gosto e por curiosidade intelectual - porque quis saber e aprender mais, independentemente do que depois poderia fazer com o curso que tirei. Mas, como eu, não havia muitos.
Grande parte das pessoas que encontrei na Clássica durante o meu curso estava na universidade porque queria ter um diploma, o célebre "canudo" que uma certa mentalidade ainda achava símbolo de estatuto e de entrada automática numa outra e melhor vida profissional, mas não estava em Letras por gosto. Estava porque era o curso onde a média para entrar era acessível, ou porque era o que exigia menos das suas capacidades intelectuais, ou porque era aquele que parecia mais fácil. Facilmente metade dos alunos que cruzei durante os meus quatro anos de licenciatura eram estudantes sofríveis ou desinteressados, apenas a marcar tempo para entrar no mercado de trabalho melhor armados do que se não tivessem seguido um curso superior. Como se tirar um curso garantisse automaticamente um emprego melhor.
Calculo que muitos deles tenham acabado a exercer ensino liceal, sem gosto nem vontade, sujeitos à lotaria das colocações e mini-concursos que todos os anos preenche horas de telejornais. O grau de exigência destes alunos para com os seus professores era zero; era muito fácil perceber, ao fim de algumas semanas, quem eram os professores que puxavam por quais alunos, e quais os alunos que tinham gosto em estar ali. Havia até quem já nem tentasse fingir interesse.
Isto tudo para dizer que se aumentar o valor das propinas universitárias garantir uma elevação do nível do ensino superior nacional público, e evitar as constantes crises e apertões financeiros que as instituições universitárias sistematicamente sofrem, acho muito bem que se aumente, sob pena de entrarmos numa espiral sem regresso em que temos cada vez mais alunos a entrar num sistema universitário cada vez em pior estado. Compreendo que haja, sobretudo em tempo de crise, quem tenha dificuldades para o fazer; mas também acho que esses casos (que não me parece correspondam à grande maioria dos universitários) devem ser ajudados e apoiados por quem de direito, e deve haver um regime excepcional para tomar conta deles.
E, sobretudo, nenhuma universidade pode ficar contente por saber que não está realmente a perpetuar saber e conhecimento nem a estimular intelectualmente quem a frequenta, mas sim apenas a processar alunos de um ponto A para um ponto B ao longo de um curso superior.
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