Pesquisa personalizada

4 de julho de 2004

POLAROID: ALVALADE XXI

Num concerto de estádio, não é a música que realmente importa; a maior parte das pessoas está sentada suficientemente longe do palco para parecer que está a ver o concerto num écran de televisão pequeno. O que importa é dizer que se esteve lá; é a experiência de estar ali com vários milhares de pessoas e de sentir o seu gosto confirmado colectivamente.

À entrada, percebe-se que o público deste concerto é composto por trintões e tias, famílias alargadas, colegas de trabalho, vizinhos, amigos. É normal, os maiores êxitos de Phil Collins devem ter aí dez, quinze anos (basta ver que os êxitos posteriores a 89 não recebem a mesma reacção eufórica). Muito sapato de vela e sandália de prata, camisola de marca enrolada à cintura.

Há cachecóis e bandeiras portuguesas por todo o lado, como se tivessem vindo assistir a um jogo de futebol. Entre a actuação de Mike & The Mechanics e a de Phil Collins, a bancada superior (os lugares sentados mais baratos, não marcados, e ainda a pretensa bancada de imprensa colocada de lado para o palco) lança uma onda mexicana que se estende fugazmente à bancada inferior, acompanhada por ruidosas salvas de palmas sempre que a onda completa o semi-círculo do estádio. Os cânticos futebolísticos ouvem-se a espaços; atrás de mim, algum suburbano mais nacionalista grita "Portugal!" (e, mais tarde, durante o concerto, "Benfica!") a ver se lança outro cântico, mas geralmente sem sucesso.

O novo Alvalade XXI é enganador: só nas zonas em que as filas de cadeiras são completamente verdes é que se percebe quais os lugares vazios, nas filas furta-cores a ilusão de óptica não permite perceber onde há espectadores e onde não há. O relvado, coberto por tela cinzenta, parece uma praça-forte medieval, isolada das bancadas por um fosso de betão vazio e ligado por passagens com corrimões amarelos. Está cheio até mais de meio.

Durante o concerto, o relvado e as bancadas parecem um mar escuro pontuado pelos pontos fluorescentes dos sticks de luz que oscilam ritmicamente ao som da música. Alguém no relvado inventa um novo jogo: atirar sticks para a bancada. A fluorescência azulada que o vôo dos sticks traça no escuro lembra-me as imagens infra-vermelhas dos bombardeamentos da I Guerra do Golfo.

Sem comentários: